quinta-feira, 12 de junho de 2008

MITO DA CAVERNA


ANEXO



Texto utilizado - A República (Livro VII)

Depois disso, Sócrates inventou ainda outra comparação para esclarecer algumas
questões sobre a importância da educação dos filósofos para serem os governantes da cidade justa.


Sócrates – Imaginemos que existam pessoas morando numa caverna. Pela entrada
dessa caverna entra a luz vinda de uma fogueira situada sobre uma pequena elevação que existe na frente dela. Os seus habitantes estão lá dentro desde a infância, algemados porcorrentes nas pernas e no pescoço, de modo que não conseguem mover-se nem olhar para trás,e só podem ver o que ocorre à sua frente.
Entre aquela fogueira e a entrada da caverna existe um caminho, ao longo do qual se
ergue um pequeno muro, semelhante aos tapumes que os apresentadores de fantoches usam
para exibir seus bonecos ao público.


Glauco – Estou vendo.

Sócrates – Imagina também que pelo caminho ao longo do muro passam pessoas
transportando sobre a cabeça todos os tipos de objetos: estatuetas de figuras humanas e deanimais, feitas de pedra, de madeira ou qualquer outro material. Como é natural essas pessoaspassam conversando ao longo do muro.

Glauco – Acho isso muito esquisito, assim como os prisioneiros que você inventou.

Sócrates – Pois eles parecem conosco. Mas continuemos com a nossa comparação.
Naquela situação, você acha que os habitantes da caverna, a respeito de si mesmos e dos outros, consigam ver outra coisa além das sombras que o fogo projeta na parede ao fundo da caverna?

Glauco – Com a cabeça imobilizada por toda a vida, só podem ver as sombras!

Sócrates – E também com relação aos objetos transportados que ultrapassam a altura
do muro?

Glauco – Exatamente a mesma coisa!

Sócrates – Se eles pudessem conversar entre si, não lhe parece que pensariam nomear
de objetos reais as sombras que vissem?

Glauco – Certamente.

Sócrates – Além disso, se a caverna tivesse um eco, quando alguém falasse lá fora os
prisioneiros pensariam que os sons fossem emitidos pelas sombras projetadas.

Glauco – Não resta a menor dúvida.

Sócrates – Portanto, os habitantes daquele lugar só poderiam pensar que a realidade
seria as sombras dos objetos.

Glauco – É claro!

Sócrates – Imagine agora o que aconteceria se os habitantes fossem libertados das
cadeias e curados da ignorância em que vivam. Se libertassem um dos prisioneiros e o
forçassem a se levantar de repente, a olhar para trás, caminhar dentro da caverna e olhar paraa luz, ao fazer isso ele sofreria e, ofuscado, não conseguiria ver os objetos dos quais só tinha visto as sombras. Que pensa você que ele diria se alguém afirmasse que tudo o que ele tinhavisto até então não passava de sombra e que a partir de agora ele estaria mais perto darealidade e poderia ver os objetos mais reais? Não ficaria confuso se lhe mostrassem algum dos objetos transportados ao longo do muro e o obrigassem a dizer o que era? Você não acha que ele pensaria serem mais reais as sombras de antes do que os objetos de agora?

Glauco – Acho que sim.

Sócrates – E se o forçassem a encarar a própria luz? Você não acha que seus olhos
doeriam e que, virando de costas, voltaria para junto das coisas que podia ver, e continuariapensando que elas eram mais reais do que os objetos que lhe mostravam?

Glauco – Exatamente.

Sócrates – E se o arrastassem para fora da caverna, forçando-o a escalar a subida íngreme, e não o soltassem antes de alcançar a luz do Sol, não seria normal que ele ficasseaflito e irritado por ser arrastado daquele modo, e, chegando à luz do Sol, com os olhosofuscados, nem conseguisse distinguir as coisas que lhe diriam ser verdadeiras?

Glauco – É certo que não conseguiria, pelo menos de súbito.

Sócrates – Precisaria habituar-se se quisesse ver as coisas que existem na região
superior. No início veria melhor as sombras, em seguida, veria as imagens dos homens e dosobjetos refletidas na água e, por última, conseguiria ver os próprios objetos. Depois disso,poderia contemplar o que há no céu durante a noite, olhando a luz das estrelas e da Lua, commuito mais facilidade do que se olhasse o Sol à luz do dia.

Glauco – Não poderia ser diferente.

Sócrates – penso que, finalmente, ele poderia olhar diretamente para o Sol e
contemplar, não mais a sua imagem refletida na água ou em outra superfície, ma o próprioastro lá no céu, tal como ele é.

Glauco – Também penso assim.

Sócrates – A partir daí, ele compreenderia que é o Sol que produz as estações e os
anos e que governa todas as coisas no mundo visível, e que, de certo modo, é a causa de tudo que ele tinha visto na caverna.

Glauco – Certamente chegaria a estas conclusões.

Sócrates – Você não acha que, quando ele se lembrasse da antiga habitação, dos
conhecimentos que lá possuíra e dos antigos companheiros de prisão, ele se alegraria com a mudança e lamentaria a situação dos outros?

Glauco – Decerto que sim.

Sócrates – Suponhamos que os prisioneiros concedessem honras e elogios entre si, e
atribuíssem prêmios a quem fosse mais rápido em distinguir os objetos que passavam, selembrasse melhor a seqüência em que eles costumavam aparecer e fosse mais hábil em
predizer o que aconteceria. Você acha que o prisioneiro libertado sentiria saudades dessas distinções e teria inveja dos prisioneiros mais honrados e poderosos? Não lhe parece que ele preferiria estar a serviço de um pobre lavrador ou padecer tudo no mundo do que voltar às ilusões de antes e viver daquele modo?

Glauco – Suponho que ele preferiria sofrer qualquer coisa a viver daquela maneira.
Sócrates – Imagina ainda que o homem liberto descesse à caverna e voltasse ao seu
antigo lugar: não ficaria temporariamente cego em meio às trevas ao voltar subitamente da luzdo Sol?

Glauco – Com certeza.

Sócrates – E se, estando ainda ofuscado, tivesse de julgar aquelas sombras em
competição, por acaso não provocaria risos nos prisioneiros que tivessem permanecido na caverna? Não diriam que a subida para o mundo superior lhe prejudicara a vista e que, portanto, não valia a pena tentar subir para lá? Você não acha que, se pudessem, os prisioneiros até matariam quem tentasse libertá-los e conduzi-los para cima?

Glauco – Certamente fariam isso.

Sócrates – Toda esta história, caro Glauco, aplicada ao que dissemos anteriormente, é
uma comparação entre o que é visível aos olhos e o que se vê na caverna; entre a luz da fogueira que ilumina o interior da caverna e a força do Sol. É também uma comparação entre a subida ao mundo superior e a visão do que lá existe, e o caminho da alma em sua ascensão ao mundo inteligível. Se você fizer esta comparação, certamente saberá o que pretendi dizer com ela, ainda que só Deus saiba se tudo isso é verdade. Em todo caso, o sentido de comparação é o seguinte: no mundo das realidades que podemos conhecer, a idéia do bem é a que se vê por último e a muito custo. Mas, uma vez avistada, compreende-se que ela é a causa de tudo o que há de justo e de belo. Compreende-se que no mundo visível ela é geradora da luz do senhor da luz, e no mundo inteligível ela dá origem à verdade e à inteligência. Além disso, compreende-se que é preciso vê-la para agir com sabedoria, tanto na vida particular quando na vida pública.

Glauco – Concordo plenamente com você, pelo menos na medida em que consegui
entender a sua comparação.

PLATÃO. A República (adaptação de Marcelo Perine). São Paulo, Editora Scipione,
2002. p. 83-86.

Resultados e discussão

Consideramos que as aulas assim conduzidas atingiram os objetivos propostos. Foi
possível introduzir um texto filosófico, trabalhar sua leitura e interpretação, fornecer informações sobre Platão e sua época, assim como tomá-lo como ponto de partida para uma reflexão geral sobre a filosofia. Esta foi compreendida como um processo de ruptura com o senso comum e de esforço pessoal em direção ao conhecimento. O texto permitiu a discussão de um tema amplo, qual seja, a necessidade de questionar o que nos é imediatamente apresentado como a verdade das coisas. Um ponto altamente positivo foi o envolvimento dos alunos no momento em que foram solicitados a “traduzir” o conteúdo do texto de Platão para outras formas de linguagem. Além de possibilitar uma aproximação entre o aluno e o texto, neste momento já se inicia o trabalho propriamente interpretativo e reflexivo.
Como um resultado inesperado, a interpretação do texto ofereceu a oportunidade de
expressão, por parte dos alunos, de suas preocupações imediatas. Por exemplo, para um dos grupos, a caverna foi comparada à passagem da infância para a adolescência, ao processo de amadurecimento. Foi assim solicitado à professora que trabalhasse, em algum momento do curso, o tema da adolescência e do amor. É certo que o caráter alegórico do texto escolhido contribuiu para o sucesso no tratamento do tema.

Conclusões

A análise destas aulas confirma que a estratégia de ensino acima descrita é adequada
para os alunos de nível médio. Ela torna também evidente a necessidade de um trabalho de pesquisa para o tratamento de outros temas a partir da idéia que orientou este projeto, qual seja, a de estabelecer as relações entre textos filosóficos e a experiência de vida dos alunos.

Referências bibliográficas

ARANHA, M. L. A e MARTINS, M.H. P. Filosofando. Introdução à Filosofia. São



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